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Perspectivas e história dos museus
O projeto Reconstrução da memória do CCA-UFPB, que forma com os demais projetos da Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Agrárias da Universidade Federal da Paraíba um destacado Coletivo De Saberes na pandemia, realizou mais uma web conferência. Depois de uma série de palestras, com as temáticas dos projetos de extensão em execução na biblioteca do CCA, desta vez o tema fora ainda mais chamativo. A palestrante convidada foi Cristina Holanda, historiadora e presidente da Fundação Memorial Padre Cícero, do Estado do Ceará.
Com o título “A escrita das histórias nos museus: perspectivas e possibilidades”, a palestrante deu uma aula aos ouvintes, séria, com bom humor, tecendo reflexões sobre estes espaços, a quem servem, o que deve ser exposto, quem ditou e dita o que se expõe nos mesmos, e os desafios em atender o público na pandemia. Disse nunca ter falado para um público tão amplo, tendo em vista que estas web conferências têm alcançado pessoas de todo o Brasil. Explicou aos ouvintes que o tema da palestra surgiu depois de conversa com a coordenadora do projeto, Juccia Nathielle.
Para mostrar o quadro completo de sua fala, explicou que os museus são lugares de memória, mas alertou que podem ser lócus de esquecimento, proposital ou não. Então expôs alguns questionamentos: o que se expõe nos museus? Como se dá a seleção? O que vai ser lembrado? Para responder a estas perguntas, trouxe um pouco da história dos museus no Brasil do século XX, especificamente a criação do Museu Histórico Nacional, em 1922, que serviu de modelo por décadas para outros, criado pelo cearense Gustavo Barroso e do curso de museus promovido por esta personalidade. Evidenciou que este modelo retratava a história pátria, era visto como lugar de culto à saudade, elitista, que visava retratar as glórias da nação, seus objetos de feitos nacionais, inspirados em ideais europeus brancos, isto é, servia apenas como prova do que ocorreu e a um dado grupo social. O que devia ser lembrado era tão somente o que as castas superiores da sociedade ordenavam que assim fosse.
Cristina passou a falar da mudança que ocorreu nesses espaços. O tempo passou, e o conhecimento se dinamizou. Especificamente na década de 1970, quando surgiu a preocupação e a necessidade em colocar nos museus as múltiplas temáticas, as contradições sociais antes negligenciadas pela elite. Havia uma pluralidade de memória, e esta deveria estar presente nos museus. Citou a obra Independência ou morte de Pedro Américo, como exemplo, o seu esplendor, belo, mas de fato fora daquele modo? Este questionamento a levou a dizer que os grupos sociais poderosos querem construir suas leituras e imagens dos fatos, pois “ ... a memória muitas vezes é forjada”. Mas é preciso questionar os documentos, é preciso estanhar o óbvio, insistiu ela. Porque, por exemplo, quem organiza a exposição interpreta a mesma de um modo, mas quem a visita faz outra interpretação.
Portanto, o museu deve ser inclusivo, todas as castas representadas, ser democrático, não estando aberto apenas a relíquias ou aos caprichos e vontades das elites, mas a objetos cotidianos simples _ ela continuou_ como o copo de plástico, que diz muito da sociedade dependente dos derivados de petróleo, consumista, imediatista; poluidora. O museu tem a tarefa de provocar reflexões para tomada de decisões conscientes e responsáveis, o que se entendeu.
...a montagem desse cenário requer pesquisa, muita pesquisa.
Será que as pessoas que trabalham nos museus se dão conta da multiplicidade de memórias que estão alí?, inquiriu a palestrante. Colocou o Memorial Padre Cícero, seu local de trabalho, como exemplo. As muitas dimensões do mesmo: religiosa, política, as controvérsias. E confessou não ser fácil mostrar aos romeiros estas dimensões. E que, “...a montagem desse cenário” requer pesquisa, muita pesquisa.
Nos ritos finais de sua fala, ela tratou de como está sendo e de como vai ser a situação dos museus no pós-pandemia. Segundo a palestrante, o Brasil tem mais de 3.000 mil museus, e tanto aqui como em outras partes do mundo, eles não chegaram ao público de outra maneira que não a presencial. Comentou sobre suas ações em levar, de forma virtual, o museu Padre Cícero ao público, além de outros exemplos. Para ela, a virtualidade não é o futuro dos museus, porque há o gosto de estar ali, ter a experiência, ver o objeto, ter as suas dimensões. Mas que eles vão entrar no universo virtual com a pandemia, mas isso é uma tendência a ser feita com cuidado metodológico e teórico. Essas duas precauções devem ser observadas tanto no modo presencial quanto no virtual, ela acrescentou. Agradeceu a todos os presentes, e se dispôs a responder eventuais perguntas. Apresentou, nesse fim, o catálogo referente ao memorial Padre Cícero, o que despertou curiosidade, elogios e vontade de conhecer o museu.
Um tema atual veio à discussão, referente aos últimos protestos com derrubada de monumentos pelo mundo, estátuas, contra o racismo, ao que ela conversou sobre os monumentos públicos e o desleixo das elites com suas memórias, argumentando que as elites não têm um plano neste sentido. E perguntas caberiam: quem esses monumentos públicos representam? Quem homenageiam? Quais regimes e ideologias têm por tema? Eis alguns motivos dos protestos com as estátuas, contra o racismo. E, com relação às nefastas ideologias que soam no Brasil atual, como ficam as abordagens educativas do museu do Ceará que tem perspectiva freireana, em face do desmonte da cultura no atual governo? Aproveitou para dizer que ele está bem estruturado. Que, no caso da escola, “ ...o museu é parte da aula”, e não uma visita. Fechou-se o diálogo com Padre Cícero e o desafio de abordar a vida do homem versus o padre.
O #ColetivoDeSaberes da biblioteca do CCA-UFPB agradece à palestrante pela excelsa apresentação e debates estabelecidos na tarde de ontem, e fica para todos nós, que museu é lugar de memória, mas memória de todas as classes sociais, pois todos produzem cultura e merecem reconhecimento.